No século passado, numa altura maravilhosa, de escrever, de pensar e sentir de tudo a leveza, que ainda não apanhei e agora nem consigo deitar fora, porque me apanhou e se fez o peso, de ainda, ainda estar por aqui, confinado aos meus, ao que sou dos meus.
No século passado, encontrei um vizinho, nem dele sabia o nome, mas vi a carroça que o tinha sentado na soleira de uma porta, ainda longe de casa. Não vendo outro burro, capaz do frete de o levar, desinquietei a santidade daquele olhar vazio e depois caminhei acompanhado da resposta. " A Terra anda às voltas, estou à espera que a minha casa passe! "
Já esqueci o que na altura me ocupou a cabeça, sempre coleccionei tudo, agora esqueço quase tudo, limitado por uma caderneta pequena, aos cromos possíveis como copos vazios, esquecidos dos sabores, vagos e curtos, que contaram.
Pouco antes ou pouco depois, o filho, outro respeitável carroceiro, ficou eternamente agradecido, enquanto bêbado, de eu lhe ter erguido a cabeça, de cinco centímetros de água, não mais do que isso, acudindo aos berros aflitos, que soltava enquanto nadava quase a seco, enfiando a boca e o nariz, nos intervalos dos berros aflitos, na água.
Olho da água, o que nela se afoga, límpida e das pessoas o que as cobre por dentro, o que as move, alheias de o fazerem, enquanto o fazem, sempre certas, sempre definitivamente certas, em cada esquina, em cada loja de certezas, na cor de cada um, com copos ou sem copos, as miragens são certezas e verdades que não se podem contrariar. Cardos mentais podem ser manjares ao gosto de quem os come, o que se perde em cada instante, se perde, só sobra o aproveitar, do que se perde, a miragem de cada instante, aceitando o que são, no que sou de instantes roubados ao vazio.
Reter da paisagem, os marcos que dela marcam o alongar de um caminho que se acaba, todos acabam. Reter da paisagem, os pedaços possíveis dela, os que se guardam sem saber porquê, os mais belos mas nem sempre, baralhados de tentar entender do labirinto, o céu de cada esquina dobrada, de cada afunilar do caminho, de cada parede, o céu de estar lá em cada erguer da cabeça.